Journal of Specialized Nursing Care

Terceirização de serviços em saúde – vantagens e desvantagens

 

Isabel CF da Cruz

 

Breve descrição do contexto:

O setor saúde e a gestão de serviços e recursos humanos têm feito uso da terceirização de seus serviços.

As principais razões que levam uma instituição a utilizar o recurso da terceirização, segundo TOMÉ (1998), operacionais (minimizar custos; serviços não rotineiros, etc), táticas (serviços específicos, diminuição do quadro de pessoal, redução dos encargos sociais, etc) e estratégicas (eliminação de atividades secundárias, por exemplo).

Todavia, a utilização deste recurso tem trazido novos problemas às instituições de saúde que comprometem a natureza de sua vocação: promover a cura com segurança para o paciente.

Neste breve estudo, buscaremos relacionar as vantagens e desvantagens da terceirização, visando dar subsídios à tomada de decisão na gestão em saúde hospitalar.

Descrição do problema:

Desconhecimento sobre a terceirização enquanto uma estratégia para a gestão em saúde, especialmente de serviços hospitalares, no que se refere às suas vantagens, desvantagens tanto para a instituição em saúde quanto para a segurança da clientela sob cuidados terapêuticos.

O que sabemos – achados chave sobre o problema

A bem da verdade, o real problema não é a terceirização. Uma das mais fortes razões para a terceirização é a diminuição do quadro de pessoal (TOMÉ, 1998). Portanto, o problema de fundo é a gestão de recursos humanos (e materiais) no Sistema Único de Saúde (SUS), tanto na esfera pública quanto na particular.

Ter no mesmo local de trabalho, trabalhadores com direitos e deveres diferenciados é um problema em qualquer empresa. Não seria diferente nas instituições de saúde.

Na esfera pública (BRASIL, 2003), o que se observa é a contratação de trabalhadores sem concurso público, com a utilização de duvidosos recursos, a saber, os contratos em cargos comissionados para atividades de caráter permanente; a contratação de serviços terceirizados (empresas, associações de moradores, cooperativas e outras) para a realização de atividades públicas de caráter permanente; entre outros.

Na esfera particular (BRASIL, 2003), as instituições filantrópicas ou lucrativas, prestadoras de serviços de saúde, também há distorções resultantes da tentativa dessas instituições de se desonerarem tanto das obrigações fiscais quanto das normas regulamentares de contratação de pessoal. Neste caso, os duvidosos recursos são: a contratação de serviços profissionais, de nível universitário, por profissionais autônomos (burla da legislação trabalhista); a contratação através de cooperativas (burla da legislação fiscal e trabalhista) e a contratação de estagiários (substituição de mão-de-obra profissional com menor remuneração do trabalho e burla da legislação fiscal e trabalhista)

Segundo Pereira (2004), este contexto traduz uma reforma informal do SUS sob a formatação das terceirizações que na realidade constitui a privatização dos serviços de saúde (o contratante, o Estado, cede ao contratado, a iniciativa privada, parte de seus próprios recursos para prestar o serviço comprado).

No que se refere à terceirização, é importante para melhor compreensão do tema, segundo Pereira (2004), a diferenciação entre contrato e convênio. No que tange à reciprocidade de obrigações (bilateralidade), no contrato uma das partes se obriga a dar, fazer ou não fazer alguma coisa mediante pagamento previamente acertado. No convênio, por sua vez, os interesses são comuns, há mútua colaboração para alcance de objetivo comum, e a contraprestação em dinheiro não precisa existir. Esta diferenciação ajuda a entender outra forma de terceirização: a parceria público-privada (PPP). Segundo Pereira et al (2008), PPP é um contrato envolvendo pagamentos sistemáticos do setor público ao parceiro privado em contrapartida à oferta de serviços que, originalmente são ofertados pelo primeiro, devido, por exemplo, aos seus retornos sociais serem superiores aos retornos privados. Todavia, os autores deste estudo não localizaram na Scielo, artigos científicos referentes às PPPs e seu impacto no setor saúde.

Processo de obter dados:

Para realização deste estudo, recorremos à biblioteca virtual da Organização Mundial da Saúde, a Scielo. Para o levantamento, utilizamos as palavras-chave: terceirização e terceiro setor.

Identificamos 30 artigos com a palavra chave terceirização, sendo 2 relativos à gestão em saúde [Zamberlam et al, 2005; Pereira, 2004]). Com a palavra chave terceiro setor, localizamos 19 artigos, sendo 1 sobre gestão em saúde [Alvarenga et al 2007]).

Os artigos foram lidos e analisados, buscando extrair deles informações relativas à gestão do serviço de saúde e a gestão de recursos humanos.

Análise e interpretação:

O levantamento de artigos sobre o tema revelou uma escassez de estudos científicos sobre o impacto da terceirização nas instituições de saúde. Todavia, os fatos se apresentam diariamente para reflexão. No momento, em Salvador Bahia, a parceria entre a Obra Social Irmã Dulce e a prefeitura se desfaz devido a uma dívida da prefeitura que deixou de repassar R$ 4 milhões em verbas (ABREU, 2011). Cabe observar que a organização não governamental (ONG) não tem mais interesse em administrar as Unidades de Saúde, mesmo com a efetivação do pagamento da dívida. Por conta disso, a Prefeitura deverá abrir processo seletivo para contratação de uma nova empresa para administrar os postos. Um processo desta natureza leva tempo. E tempo em saúde vale mais do que ouro. Vale a própria vida de cada paciente.

A análise dos artigos encontrados nos revelou mais desvantagens do que vantagens com a terceirização, conforme apresentamos a seguir.

Vantagens na gestão de serviços de saúde

ALVARENGA et al (2007) verificaram que a experiência de cooperação firmadaentre gestor público e uma instituição do terceiro setor para a construção e gestão de residências assistidas (estratégia de desinstitucionalização psiquiátrica) foi bem sucedida e se constitui numa inovação na modalidade de gestão do setor saúde.

Desvantagens na gestão de serviços de saúde

PEREIRA (2004) aborda em especial o impacto da terceirização da gestão da força de trabalho na área de saúde pública. Ela avalia que a terceirização leva à fragilização do Estado brasileiro em função da reversão das conquistas sociais consagradas na Constituição Federal de 1988. Por meio de extenso estudo bibliográfico, PEREIRA demonstra como se efetivou o processo de flexibilização das relações de trabalho na área de saúde pública, desarticulando politicamente os trabalhadores e desqualificando o atendimento ao público.

ZAMBERLAN et al (2005) apontam, no que se refere à  terceirização no processo de cuidar em enfermagem, as dificuldades encontradas numa mesma instituição entre as unidades não-terceirizada e o serviço terceirizado (procedimentos hemodinâmicos), destacando principalmente a falta de uma equipe integrada entre os dois serviços.

Conclusão

A terceirização é um tema de interesse para o gestor em saúde, todavia ainda não foi objeto de análise criteriosa quanto à sua utilização pelo Sistema Único de Saúde.

Além de seu possível impacto sobre a gestão de recursos humanos e materiais, avaliamos que é preciso estudar o impacto da terceirização sobre a segurança do paciente.

Uma instituição de saúde ética tem o paciente como o foco de seu serviço. A legislação sobre terceirização em saúde também ter como foco o receptor do serviço de saúde: o paciente. Tudo o mais é secundário. E assim deve continuar sendo.

Referências

ABREU, F. OSID (Obras Sociais Irmã Dulce) não vai administrar postos de Pernambués e Boca do Rio.  Revista Bahia Acontece. Disponível em http://revistabahia.com.br/2011/10/31/osid-nao-vai-administrar-postos-de-pernambues-e-boca-do-rio/

ALVARENGA, et al. Estratégias na reforma psiquiátrica no município de Barbacena: a cooperação entre gestor público e o terceiro setor. Hist. cienc. saude-Manguinhos  [serial on the Internet]. 2007  June [cited  2011  Oct  23] ;  14(2): 571-593. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702007000200010&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702007000200010.

Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Princípios e Diretrizes para NOB/RH-SUS / Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. – 2. ed., rev. e atual., 2ª reimpressão – Brasília: Ministério da Saúde, 2003. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/principios_diretrizes_NOB_2003.pdf

PEREIRA, Larissa Dahmer. A gestão da força de trabalho em saúde na década de 90. Physis,  Rio de Janeiro,  v. 14,  n. 2, July  2004 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312004000200010&lng=en&nrm=iso>. access on  23  Oct.  2011.  http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312004000200010. 

PEREIRA, R. et al. Efeitos de Crescimento e Bem-estar da Lei de Parceria Público-Privada no Brasil. Rev. Bras. Econ.,  Rio de Janeiro,  v. 62,  n. 2, June  2008 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402008000200005&lng=en&nrm=iso>. access on  23  Oct.  2011.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71402008000200005.

TOMÉ, DM. Metodologia para estruturar o processo de terceirização. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, 1998.  Disponível em http://www.eps.ufsc.br/disserta98/tome/cap5.html

ZAMBERLAN, Cláudia; SIQUEIRA, Heidi Crecência Heckler de. A terceirização nos serviços e conseqüências no cuidar em enfermagem. Rev. bras. enferm.,  Brasília,  v. 58,  n. 6, Dec.  2005 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672005000600019&lng=en&nrm=iso>. access on  23  Oct.  2011.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672005000600019.

OBS- excepcionalmente este artigo foi publicado com as normas da ABNT. Mas as normas que regem o JSNC são de Vancouver.
 





JSNCARE
Share |